sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Leitura em Dupla: Parte IV

Essa postagem faz parte do Leitura em Dupla, em parceira com o Leia-me Já!. Confira a parte I aquiparte II aqui e parte III aqui

Quarta seção de discussão de Tubarão de Peter Benchley. Capítulos 12 a 14.

Tópicos discutidos nesse post:
- O Confronto final
- Final geral
- Finais individuais: Brody e Ellen
- Finais individuais: Larry Vaughan
- Finais individuais: Matt Hooper e Quint
- Conclusão e considerações finais.

[O CORUJAL NÃO SE RESPONSABILIZA PELOS SPOILERS AQUI POSTADOS!]

O CONFRONTO FINAL

LEIA-ME JÁ!: Havíamos especulado sobre o final, você acreditando na possibilidade de Brody morrer e eu não. Não considerava essa hipótese por Brody ser o protagonista, e isso não seria muito comum. O que não consideramos foram as mortes tanto de Hooper quanto de Quint. Acreditávamos que apenas uma pessoa morreria na caçada, e no caso de Hooper, a traição de Ellen permaneceria no passado, e foi o que aconteceu. Creio que a morte de Quint, no entanto, serviu apenas para dramatizar um pouco a trama.
O CORUJAL: Realmente. Por mais que nossas apostas de quem sairia vivo daquela caçada, ambos concordávamos que apenas uma pessoa morreria, e não foi o que aconteceu.
LEIA-ME JÁ!: Gostei muito das cenas de ação da caçada, a todo momento me vinha a música do filme na cabeça. Só me incomodou o fato do tubarão sair muitas vezes da água, acho que isso não é um comportamento natural desse animal. Não pude deixar de lembrar do começo do livro, quando o autor descreve o ponto de vista tanto da vítima quanto do tubarão durante o ataque. Nesse último confronto, no entanto, vemos o ponto de vista apenas de Brody, e isso confirma nossa especulação de que o autor não está mais preocupado em contar a história a partir do tubarão, e sim da vida dessas pessoas.
O CORUJAL: Realmente não há ponto de vista do tubarão em nenhum momento. Um outro ponto que eu gostaria de ressaltar é que quando o Brody fica sabendo que o Hooper os acompanhará na caçada, ele fica tão preocupado com o cientista, que acaba esquecendo o tubarão. Somente quando ele finalmente fica cara à cara com o tubarão que ele começa a perceber o quão grave é aquela situação. Achei interessante essa transição, porque em nenhum momento do livro, Brody vê o tubarão como uma ameaça pra si, o tempo todo ele o considera apenas mais uma ameaça à população que ele precisa lidar. E quando finalmente ele vê o tubarão de perto, “cai a ficha” e ele percebe que ele também corre perigo.

Sua mente estava cheia de imagens de algo como um torpedo se elevando na escuridão do mar e estraçalhando o corpo de Christine Watkins em pedaços; do menino na boia sem saber, sem ao menos desconfiar, até de repente ser atacado por uma criatura de pesadelo; e de pesadelos que sabia que teria, sonhos de violência e sangue, e uma mulher gritando que ele tinha matado seu filho. (página 229)

LEIA-ME JÁ!: Sim, conseguimos perceber que ele só percebe o que o tubarão realmente representa quando se depara com ele. Há outro fator que me incomodou nesse último confronto, não sei se por intenção do autor ou pela perturbação das personagens, mas me pareceu que o tubarão possuía algum tipo de inteligência, como se soubesse o que tinha que ser feito. Não gostei disso porque me soou mais um terror sobrenatural, o que não é o caso. Durante a caçada as personagens retratam a cena como se o tubarão tivesse alguma estratégia para pegá-los, e isso tira o aspecto verossímil que o livro teve até esse ponto.

Brody lembrou-se daquele sorriso de soslaio a encará-lo de dentro d’água. Não sei. Disse. Ontem aquele peixe, com certeza, parecia mal, como se ele quisesse ser mal, como se soubesse o que estava fazendo.

O CORUJAL: Também reparei nesse ponto e não gostei. Me lembro de uma cena onde Quint está mirando de frente para o tubarão, pronto para atingi-lo, mas o peixe passa por debaixo do barco e ataque o outro lado, como se soubesse que estava correndo risco. No decorrer do livro todo eles dizem que o tubarão é um animal que age por extinto, que só responde à fome e que ataca tudo que vê pela frente, mas não foi isso que aconteceu. Mas há também a possibilidade de toda essa “inteligência animal”, seja proposital. Às vezes o autor quis retratar dessa forma para mostrar que é uma consequência da tensão das personagens.
LEIA-ME JÁ!: Eu quero acreditar que o autor fez isso para mostrar como aquelas pessoas estavam assustadas a ponto de imaginar coisas, e não que realmente aconteceu.

FINAL GERAL

LEIA-ME JÁ!: O que você achou do autor ter terminado o livro naquele ponto? Achei curioso a forma como o livro acaba, já que a cena inicial é uma mulher entrando na água, e a final é Brody saindo dela. No começo o leitor tem a impressão de que a mulher é o intruso, de que o mar é domínio do tubarão. Já no final, Brody retorna do confronto e sai da água, tive a impressão de que ele conquistou aquele território, já que matou seu antigo “dono”.
O CORUJAL: É o clássico final em aberto, né? Porque a gente não fica sabendo realmente como acabou. Acredito que a cidade prosperou e Ellen manteve seu segredo de adultério. Quanto a esse tipo de final, não tenho nenhum problema, pois acho que nenhum livro tem realmente um fim, nunca há uma conclusão absoluta, portanto, pra mim é indiferente. Isso que você disse sobre o domínio marinho, não havia me ocorrido, mas faz todo o sentido!
LEIA-ME JÁ!: Eu sei que muitas das ligações que acontecem em um livro, nem é proposital da parte dos autores, muitas vezes é coincidência, mas não custa nada tentarmos encaixar as coisas, e eu tenho uma teoria. O bom do final em aberto é que o leitor tem uma liberdade de pender as coisas para o lado que ele desejar, mas acho que o autor deixou algumas pistas sobre o que ele espera dessa interpretação.

FINAIS INDIVUDUAIS: BRODY E ELLEN

O CORUJAL: Por mais que eu tenha dito que não me surpreenderia se Brody morresse, o final desses dois foi bem previsível pra mim. Ellen não disse nada da traição e creio que eles ficaram juntos. Só não contava com a pronunciamento do Meadows, o jornalista, que publicou uma matéria dando votos heroicos ao nosso protagonista. Chega a ser cômico o fato de que o tubarão foi a solução para todos os problemas externos o enredo, pois mesmo com todas as mortes, sem o tubarão nenhum problema da cidade e da vida de Brody seria resolvido. Isso me leva a refletir que não podemos atingir o sucesso sem perdas pelo caminho.
LEIA-ME JÁ!: Sim, é como se o tubarão tivesse aparecido para ajustar as coisas, colocar os pingos nos “is”. É verdade que o final fica em aberto, mas como eu disse antes, eu percebi algumas dicas que o autor deixou no decorrer da história. No caso da traição, por exemplo, quando o prefeito visita a Ellen, fica claro que ela quer ficar com o Brody, que se arrependeu do que fez e que reconhece o relacionamento.

Enquanto pensava no que Vaughan tinha dito, começou a reconhecer a riqueza de sua vida: um relacionamento com Brody era mais gratificante que qualquer um que Larry Vaughan pudesse experimentar; um amálgama de testes menores com pequenos triunfos que juntos, resultavam em algo semelhante à felicidade. E à medida que seu reconhecimento crescia, crescia também um certo arrependimento por ter demorado tanto pra ver o desperdício de tempo e emoção na tentativa de se apegar ao passado. Subitamente teve medo – medo de ter amadurecido tarde demais, de que algo pudesse acontecer a Brody antes de ela poder aproveitar essa consciência. Olhou para o relógio: seis e vinte da tarde. Já era pra ele estar em casa. Aconteceu algo com ele. Pensou. Oh, por favor, Senhor, não ele. (página 235)

LEIA-ME JÁ!: Já o Brody, o momento em que ele desiste de procurar a verdade foi com o tubarão. No barco, Brody confronta Hooper, que diz que esteve com Daisy Wicker (que na realidade era lésbica). Entretanto, em um dado momento quando eles voltam da expedição, Brody pensa em ligar para Daisy para confirmar, mas desiste. Acho que a morte de Hooper teve o propósito de reatar o relacionamento entre Ellen e Brody.

Depois de atracar o barco, Brody caminhou até o carro. No fim do cais havia uma cabine telefônica. Ele parou ao lado dela, pronto para pôr em prática sua resolução anterior de ligar para Daisy Wicker. Mas reprimiu o impulso e foi para o carro. Pra que?  Pensou. Se houve algo, agora acabou. (página 258)

O CORUJAL: Um confronto no fim seria mais interessante, mas tudo acabou bem. Interessante analisar que eles mantêm o relacionamento por meio de outras pessoas, já que Ellen e Brody só ficaram juntos pela soma de fatores externos.
LEIA-ME JÁ!: Também esperava um confronto, mas acho que expectamos da maneira errada. Pela narrativa ser do ponto de vista de Brody, ficamos esperando uma atitude dele, mas na realidade, era Ellen que estava insatisfeita com o casamento. A vinda do tubarão fez com que Ellen pudesse experimentar um caso com Hooper, mas aí ela percebeu que não era isso que ela queria realmente.

FINAIS INDIVUDUAIS: LARRY VAUGHAN

O CORUJAL: Achei justo Larry se dar mal por tudo que ele fez pela cidade, mas fico receoso no final, quando Vaughan diz à Ellen que seus negócios ficaram para os sócios. Fico pensando se não teria nenhum risco desse suposto sócio exercer algum poder sob a cidade, e isso seria pior que Larry.
LEIA-ME JÁ!: Sim, também acho justo o que aconteceu com ele por tudo que ele fez (e pelo que não fez). Agora essa ideia do sócio tomar conta dos negócios remonta o predador, acho que deixa a sensação de “Brody matou um tubarão, mas existem outros, um mar inteiro de tubarões prontos para atacarem”.
O CORUJAL: Isso é legal porque tira o clichê de que tudo acaba bem.

FINAIS INDIVUDUAIS: MATT HOOPER E QUINT

LEIA-ME JÁ!: Achei legal Quint ter sido afogado e não atacado pelo tubarão. O autor se conteve quanto a isso e dá um toque mais realista à história. Em outras palavras, mostra que mesmo em um livro sobre um tubarão assassino, morrer em sua mandíbula não é a única forma de morrer.
O CORUJAL: É interessante o papel que a morte do Quint desencadeia no enredo, porque através dela, percebemos a opinião do autor sobre esse tipo de pescador, que não respeita a vida marinha e a natureza em si.

É o que parece quando a boca deles fica aberta. Disse Quint. Não faz parecer mais nada do que ele é. Ele é só um balde estúpido de lixo.
Como você pode dizer isso? Disse Hooper. Aquele peixe é uma beleza. É o tipo de coisa que faz você acreditar em Deus. Te mostra o que a natureza é capaz de fazer quando faz a sério.
Não fala merda. Disse Quint.  (página 227)

LEIA-ME JÁ!: Acho que a morte do Quint foi a forma do autor se vingar dele (risos). Já a morte de Hooper, achei meio tosco a forma como ele insistiu em entrar na gaiola. Depois de ver o tamanho do peixe e do perigo que ele oferecia, foi estupidez dele mergulhar.
O CORUJAL: Também achei estranho um especialista como ele se arriscar tanto. Mas em termos de descrição, nunca vi um capítulo tão agonizante como esse! A parte em que o tubarão começa a abrir espaço entre a gaiola é muito sufocante.
LEIA-ME JÁ!: Verdade, a tensão que o autor cria na narrativa é fenomenal! E na parte em que eles estão caçando, mas o peixe ainda não apareceu, não sei você, mas eu senti que o tubarão estava por perto. Sem contar a música que consegui “ouvir”, tudo isso pela forma como o autor conduz a narrativa.
O CORUJAL: Realmente, a narrativa tem esse ritmo, como se o tubarão estivesse na espreita observando, pronto para atacar a qualquer momento. Isso é um ponto positivo para o autor, já que o leitor consegue realmente sentir a tensão, e isso é uma coisa muito difícil de se fazer.

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

LEIA-ME JÁ!: Acho que no fim a cidade prosperou, já que o tubarão virou notícia no país, e consequentemente, uma atração.
O CORUJAL: Analisando o livro como um todo, gostei bastante! Acho que Peter Benchley tem um modo de descrever único que funciona com uma tensão que ele vai criando ao longo da narrativa. Isso é uma coisa que eu nunca tinha visto e que me surpreendeu muito. Gosto da forme como ele cria o terror psicológico, como você mesmo disse, não há mortes pra a todo momento. O terror em si está nas entrelinhas, é algo extremamente sublime.
LEIA-ME JÁ!: Sim! Achei estranho algumas resenhas que li, onde as pessoas reclamavam que o autor se demorava demais em descrever as pessoas e não dava muita atenção às mortes. Mas como você disse, é um terror sublime! Há todo um pano de fundo. E sinceramente, se fosse apenas um livro onde um tubarão mata pessoas, não haveria a construção muito bem feita das personagens, e nós, leitores, não nos importaríamos com elas. Acho que o modo como a obra foi escrita é a melhor possível, a tornou bem mais humana.
O CORUJAL: Realmente, a as personagens são muito bem criadas. Uma coisa que gostei muito no autor é que não há exagero no enredo. Tudo bem que não é comum, mas ele não extrapola como outros autores. É uma história simples, sem nada absurdo, fatos que realmente podem acontecer, e mesmo assim impressiona. Achei perfeito!
LEIA-ME JÁ!: Verdade, o autor não se demora e nem exagera. É simples e certeiro.


sábado, 22 de agosto de 2015

Coração Apaixonado - Chelsea Cain




“— É muito violento. Tem fotos das cenas dos crimes. — Seu estômago queimou só de pensar em seu filho de oito anos lendo o que ela lhe fizera. — Descrições detalhadas de tortura
 — Um vislumbre do seu mundo."



Título: Coração Apaixonado

Autor: Chelsea Cain

Título Original: Sweetheart

Tradução: Angela Pessoa

Série: Beleza Mortal


Editora: Objetiva (Suma de Letras)
                                                          
                                                             2009






      Dois meses após os acontecimentos de Coração Ferido, o nosso detetive Archie Sheridan resolve entrar de vez em uma abstinência de Gretchen Lowell. Na teoria vemos que Archie decidira seguir sua vida sem Gretchen, mas percebemos, também, que deixar a psicopata não é o que o detetive quer.
      No decorrer desses dois meses, os personagens envolvidos no caso do Estrangulador das Escolas seguiram seus rumos. Susan – que mesmo tendo Archie em seus pensamentos – não tem qualquer notícias do detetive, e encontra-se no meio de uma matéria envolvendo um furo político e um possível estupro. Henry e Claire continuam com suas vidas no cotidiano policial. Archie ainda exerce o ofício de detetive e volta a morar com  Debbie e os filhos – mesmo que o espaço entre os dois seja um grande abismo.
      A vida desses personagens voltam a se cruzar quando Archie e Henry descobrem alguns cadáveres em um parque, aliás, o mesmo parque em que encontrara o primeiro corpo deixado por Gretchen, anos atrás. O político que Susan investigava acaba sofrendo um acidente, junto com um parceiro de trabalho, e é a partir deste ponto que os personagens voltam a se envolver. Como é inegável o fato de a beleza mortal ser o ápice da narrativa, você deve estar se perguntando: e Gretchen?! A serial killer ainda é mantida sob custódia, e só volta a receber a visita de Archie após um incidente na prisão.

“Aquilo deixou Archie desolado. Não por ela estar preocupada com a segurança dele, mas por ela acreditar que tinha alguma chance de salvá-lo. Qualquer que fosse a porra de jofo que ele e Gretchen jogavam, era entre eles. Gretchen não se importava com Debbie porque sabia que Debbie não era uma ameaça.”

Em alguns flashbacks a autora nos mostra o passado pré-Gretchen, pois em Coração Ferido, adentramos na história a partir do momento em que Gretchen captura Archie, e não antes disto. Portanto, o leitor descobre alguns acontecimentos de quando a serial killer entra na vida do detetive.

“— Sabe — disse Gretchen — eu sou capaz de sentir emoções humanas.”

Coração Apaixonado, como o nome sugere, explorará o lado sentimental e apaixonado de Archie. Aqui o leitor conhecerá a obsessão do detetive por Gretchen, e verá que ele não é tão diferente dela... A relação que se estabelece entre os dois é doentia, e essa dose-de-absurdo que a autora incrementou é totalmente necessária para não tornar a narrativa melosa e entediante. Não leia Coração Apaixonado pelo título, pois a paixão aqui é não é convencional e, em alguns pontos, nem um pouco crível.

“Às vezes Archie perguntava-se o quanto Debbie sabia sobre o seu relacionamento com Gretchen. Debbie sabia que Gretchen o assombrava. Talvez tivesse até mesmo usado a palavra ‘obsessão’. Mas Archie não achava que Debbie soubesse o quanto ele ultrapassara os limites.”

Sou obrigado a ressaltar os trunfos da autora; a criação dos personagens e o ritmo de narrativa de Chelsea Cain é de cair o queixo! Chelsea consegue nos apresentar à personagens tão humanos, que o leitor se indaga da probabilidade daquilo acontecer realmente. Também é de se admirar a forma como a autora desencadeia os acontecimentos, sem soar, em momento algum, amadora.

“E então ele percebeu que não estava com medo dela.


Estava com medo de nunca mais vê-la.”

terça-feira, 18 de agosto de 2015

It: A Coisa - Stephen King

"— Eles flutuam — rosnou a coisa — eles flutuam, Georgie, e quando você estiver aqui em baixo comigo, também vai flutuar..."



Título: It: A Coisa

Autor: Stephen King

Título original: It

Tradução: Regiane Winarski

Editora: Objetiva (Suma de Letras)

2014





A Cosia. Você com certeza já viu ela. Talvez um livro, um filme ou em seus pesadelos;

A Coisa é o medo.

Era essa a premissa de Stephen King: criar uma criatura cuja essência é o medo. E de certa forma foi isso que ele fizera. A Coisa se passa na cidade fictícia de Derry, no Maine, onde um grupo de crianças – o Clube dos Otários – acidentalmente, descobre uma entidade maligna cuja forma fixa não existe – embora a forma de Pennywise, o palhaço, seja a mais comum –, de modo a assumir uma aparência que se assemelhe aos pavores das pessoas.

“E quando a imagem de Eddie do que era a Coisa começou a sumir, a Coisa começou imediatamente a adquirir outra aparência.”

Esse primeiro confronto, em 1958, tem como plano de fundo o assassinato de George, irmão caçula do líder do Clube dos Otários: Bill. O desfecho deste encontro com a Coisa acaba bem para os protagonistas, que mesmo acreditando que a Coisa tenha morrido, fazem uma promessa de retornar à Derry se a Coisa, um dia, voltar. E é exatamente isso que acontece em 1985

“— Uma pessoa me ligou. Uma pessoa que conheci há muito tempo. Em outro lugar. Naquela época, aconteceu uma coisa. Fiz uma promessa. Todos prometemos que voltaríamos se essa coisa voltasse a acontecer. E acho que voltou”

Agora, vinte e sete anos mais velhos, o grupo de amigos precisa reviver as lembranças e pesadelos do que, um dia, fora a Coisa.

“A Coisa sempre se alimentou bem de crianças. Muitos adultos poderiam ser usados sem saber que foram usados, e a Coisa até já tinha se alimentado de alguns mais velhos ao longo dos anos. Os adultos tinham seus próprios pavores, e as glândulas deles podiam ser invadidas, abertas, para que os componentes químico do medo jorrassem pelo corpo e salgassem a carne. Mas os medos das crianças eram mais simples e normalmente mais poderosos. Os medos das crianças costumavam ser invocados com um único rosto... e se fosse preciso usar uma isca, ora, que criança não adorava um palhaço?”

Essa premissa é fantástica, e confesso que o autor conseguiu me prender ao longo de toda a trama – que de pequena não tem nada. A forma como King narra os acontecimentos do ponto de vista de sete crianças sem soar infantil é de se admirar! Em Sobre a Escrita (resenha aqui), o autor nos revela que A Coisa foi escrita a partir de algumas memórias do próprio, e de certa forma, ele consegue deixar isso bem explícito no livro. Junto com King, revivemos nossas memórias de infância, pois é impossível não se identificar com uma coisa ou outra. A essência do livro é sim o medo, mas o medo de criança, e o autor constrói uma atmosfera tão nostálgica que chega a ser real.

“Sim, talvez fosse isso. Era coisa de criança, mas parecia que era disse que essa coisa se alimentava, de coisas de criança.”

Há vários lapsos de tempo no livro, e a narrativa alterna entre o primeiro encontro com a Coisa e os acontecimentos atuais. É fato que, como sempre, Stephen King cria inúmeros subenredos e coisas que, em termos, são desnecessárias, mas, como leitor, tive a impressão de que todos aqueles pontos de fuga foram essenciais para a atmosfera que o autor estava tentando criar. É uma leitura extremamente extensa, mas eu estava aproveitando tanto as páginas que isso nem me afetava. Até chegar ao desfecho...
      Pelo fato da Coisa ser uma criatura tão enigmática, a maior curiosidade do leitor é descobrir, enfim, o que é a coisa e como ela funciona. E se seu medo é esse, caro leitor, fique tranquilo, pois Stephen King nos dá uma explicação. O único problema, entretanto, é que isso não é convincente e nem um pouco plausível. Há, nas entrelinhas, uma forte conexão com A Torre Negra, mas King não pode tomar isso como um veredito, pois seria uma ofensa aos seus leitores, que não necessariamente, leram a Torre Negra. O livro começou a ser escrito em 1981 e terminado em 1985, e talvez seja esse o motivo do começo e fim serem tão distintos. A sensação que tive – além do vazio na conclusão – fora de que o autor mudara o modo de pensar no decorrer dos anos e isso refletiu na trama. Realmente poderia ter sido melhor...

Bônus: It – Uma Obra Prima do Medo.

      Não é do meu feitio comparar os livros com suas adaptações cinematográficas, mas não pude deixar passar essa oportunidade de compartilhar minhas impressões a respeito deste filme.
É fato que o filme é bem reduzido em comparação com a obra, e isso é completamente aceitável, pois é uma tarefa quase impossível adaptar 1102 páginas – mesmo que em três horas de duração. A trama, ao meu ver, ficou bem confusa nos cinemas – devido aos lapsos de tempo –, e acredito que quem leu o livro tenha aproveitado muito mais que quem viu apenas o filme. Este, entretanto, não é o assunto em questão, pois o motivo dessa comparação de livro x filme, é apenas um: Pennywise
      A interpretação impecável de Tim Curry no papel do palhaço não poderia ser melhor. O ator dá vida a Pennywise de uma forma tão sombriamente visual, e cria um terror psicológico tão fantástico, que não senti em momento algum do livro. Achei que o palhaço assassino seria um personagem pretensioso e sem graça no filme, justamente por causa do terror psicológico, mas pra minha felicidade, eu estava errado! 




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Leitura em Dupla: Parte II

Essa postagem faz parte do Leitura em Dupla, em parceira com o Leia-me Já!. Confira a parte I aqui

Segunda seção de discussão de Tubarão de Peter Benchley. Capítulos 5 a 8.

Tópicos discutidos nesse post:
- Visão otimista do tubarão
- O tubarão desaparece
- Cidade turística e Ellen.

[O CORUJAL NÃO SE RESPONSABILIZA PELOS SPOILERS AQUI POSTADOS!]

VISÃO OTIMISTA DO TUBARÃO

LEIA-ME JÁ!: O que você achou da forma científica que retrataram o tubarão, agora que há um especialista na história?
O CORUJAL: É impossível não perceber o contraste que há nessa altura da trama. De um lado temos os personagens que repudiam o tubarão e do outro o cientista Hooper, que deixa claro sua paixão em alguns trechos.
LEIA-ME JÁ!: Funciona como um contraponto, pois ele tira a carga negativa que os outros personagens colocam no tubarão. É bem isso que você disse, Hooper fala que estuda os tubarões por paixão, mas fico imaginando como serão as coisas daqui pra frente. Acho que o próprio cientista será responsável pela caça ao tubarão, mesmo ele dizendo que gosta. Marquei uma passagem interessante sobre isso:

Os tubarões têm tudo que os cientistas sonham. São bonitos – Deus, como são bonitos! São como uma máquina perfeita. São elegantes como qualquer pássaro. São tão misteriosos como qualquer animal na Terra. Ninguém sabe ao certo quanto tempo vivem ou quais impulsos – exceto a fome – respondem. Existem mais de duzentas e cinquenta espécies de tubarão, e cada uma é diferente da outra. Cientistas passam suas vidas tentando encontrar respostas sobre os tubarões, e assim que encontram uma boa teoria, algo a derruba. As pessoas têm tentado encontrar um repelente eficiente contra tubarões por mais de dois mil anos, mas nunca encontraram algum que funcionasse. Desculpe, não queria fazer uma palestra, como você viu, sou viciado. (página 114)

O CORUJAL: Acho que o autor demonstra sua paixão pelos tubarões através deste personagem. É legal observar também, que já há um contraponto dentro da própria opinião dele, pois quando Ellen diz que ela vê os tubarões como animais horríveis, Hooper não prossegue com a discussão. Acima de sua paixão, o personagem tem um senso, e isso o torna mais real.
LEIA-ME JÁ!: Realmente, ele sabe que é uma discussão perdida. Sabe que as pessoas não serão convencidas e que não há argumento, por isso não insiste. Acho que essa parte do personagem reflete bem a paixão do autor, como ele disse na introdução.
O CORUJAL: Sim, isso é bem claro! Consigo perceber explicitamente a opinião do autor através desse personagem.

CADÊ O TUBARÃO?

 O CORUJAL: Confesso que não entendi absolutamente nada da intenção do autor nesse ponto. Nas primeiras páginas já discutidas, há todo um preparo, uma estrutura em torno do tubarão. A trama girava em volta dele, mas nas seguintes páginas, o tubarão some completamente.
LEIA-ME JÁ!: Eu percebi que o livro é dividido em três partes. Essa divisão me lembrou peças de teatro, que geralmente, são divididas em três atos: o primeiro apresenta o enredo geral e os personagens, o segundo apresenta o dilema (aqui entra Brody, a esposa e as questões da cidade turística) e o terceiro o desfecho. Acho que o autor usou essa mesma estrutura; no começo temos Brody e a questão das praias, e agora Brody e suas questões pessoais, fora de seu ofício. Quando acabei nossa proposta de leitura, me intriguei a respeito de algo e voltei ao começo do livro para reler algumas passagens sobre a Ellen, e descobri que ela e Brody sempre foram o foco. O tubarão desencadeia a trama, mas ele nunca foi a trama em si: ele faz com que as questões políticas da cidade sejam descobertas, faz com que os problemas conjugais de Brody e Ellen se agravem...
O CORUJAL: Agora que você citou faz todo o sentido, e acho que foi por isso que estranhei o desaparecimento do tubarão. Quando comecei a leitura, esperava que o tubarão fosse o foco, mas se o autor tivesse tomado esse caminho, a história ficaria chula e pobre. Os subenredos, que vieram à tona nessa segunda leitura, deixaram a história mais viva e rica. Acho que entendi errado no começo.
LEIA-ME JÁ!: Acho que no início, o tubarão é sim o foco, mas ele deixa de ser a partir da terceira morte. Nas duas primeiras mortes, o ataque é descrito com muitos detalhes, mas na terceira em diante, ficamos sabendo apenas por uma terceira pessoa. Ou seja, o autor para de contar a perspectiva do tubarão, e ele deixa de ser o foco. Benchley não quer retratar apenas os ataques, mas sim contar a história daquelas pessoas. Achei muito inteligente a forma como ele constrói os personagens, e particularmente, nem percebi a falta do tubarão.
O CORUJAL: Sim, ele coloca o tubarão de lado, mas ainda assim consegue movimentar a história. É interessante como ele faz essa mecânica funcionar. Ele consegue fazer uma transição de perspectiva sem perder o foco, e isso é muito difícil!
LEIA-ME JÁ!: Verdade, é muito sutil! Só percebi quando reli o começo. Achei legal porque, nessas páginas lidas, não há ataques do tubarão, mas ele tá sempre lá. Sempre alguém está falando dele.
O CORUJAL: Sim, mesmo que não explicitamente, o tubarão está sempre presente nas entrelinhas. As personagens comentam sobre ele, e Ellen só conhece o cientista por causa dele. Parando para pensar, Peter Benchley é de uma sutileza sem igual! Mal consigo perceber como ele muda de cena.

CIDADE TURÍSTICA E ELLEN

LEIA-ME JÁ!: Me senti estúpido em não prever a traição da Ellen. Fica tão evidente desde o começo, que foi ingenuidade minha não ter percebido (risos). E nessa questão do autor, ele me lembra o Stephen King, que faz terror mas não fica o tempo todo dando atenção ao “monstro”. Como Peter, Stephen desenvolve as personagens intercalando com o terror. Isso torna a leitura suave.
O CORUJAL: Eu consegui imaginar essa traição, pois mesmo na nossa primeira discussão, comentamos como Ellen se sente desolada na posição em que ela se encontra. Ela deixa claro que a vida que Ellen leva com Brody em uma cidade turística, não é a que ela deseja. Quando o cientista chega, ele traz consigo o passado dela, então eu soube que algo do tipo aconteceria. E sobre os autores, eu também concordo, eles vão muito além do assunto principal, e conseguem desenvolver o que está “ao redor” junto com a trama em si. O único problema de King é que ele se demora muito, né? (risos).
LEIA-ME JÁ!: Verdade, Stephen extrapola! O legal do Peter é que não senti esse exagero, ele tá interessado em contar a história dessas pessoas e eu estou gostando bastante de como ele faz isso. Acho que torna a história mais completa. E sobre a Ellen? O que você acha? Por incrível que pareça, eu não consigo odiá-la, eu acho que ela retrata muito bem as pessoas que estão insatisfeitas com a vida. Claro que eu repudio o que ela fez, mas não a odeio, pois ela parece ser uma pessoa real. Já o cientista não me agradou! É como se eu gostasse do profissional que ele é, mas detestasse ele como pessoa.
O CORUJAL: Tratando-se de personagem, uma coisa que percebi na escrita do autor, é que ele não tem dó de criar personagens baseando-se na vida real. Temos o Brody que, mesmo sendo um policial, não impediu o fechamento das praias quando pôde, e a Ellen que também tem seus defeitos. Por outro lado, o cientista é “perfeito”, e eu detesto personagens desse tipo. Sobre a Ellen: também não a odeio, porque consigo ver nela pessoas reais que se sentem infelizes em viver em cidades turísticas.
LEIA-ME JÁ!: Há alguns trechos que mostram o que as pessoas acham da Ellen, completam a ideia da nossa primeira discussão, que diz que Ellen se sente deslocada, aquele lugar não é o lugar dela, é como se ela não pertencesse àquilo:

Minnie não gostava dela, e estava certa. Minnie se sentia desconfortável com Ellen, porque não conseguia decifrá-la. Ellen não era nem veranista nem moradora local. Não ganhou sua caixa de correio anual, casou-se com ela. (página 110)

LEIA-ME JÁ!: Quando ela vê o cientista e lembra do irmão dele e de seu passado, o autor escreve trechos de uma forma poética muito profunda!

O passado – com um pássaro preso em uma gaiola há muito tempo e solto de repente – voava sobre ela, circulando por sua cabeça, inundando-a com saudades de um tempo bom. (página 116)

O passado sempre parece melhor quando você se lembra dele, mais do que ele realmente foi na época. E o presente nunca parece tão bom quanto parecerá no futuro. É deprimente ficar muito tempo revivendo as velhas alegrias. Você acha que nunca terá algo tão bom novamente.

O CORUJAL: Essa questão que você ressaltou que ela não pertence àquele lugar é bem explícito, né? Inclusive, os próprios personagens percebem isso e passam para os leitores. Confesso que o autor tem me surpreendido bastante, não dava nada para esse livro, mas tem se revelado uma leitura muito boa!
LEIA-ME JÁ!: Também não esperava muito de Tubarão, mas estou gostando bastante. Esse tipo de leitura me lembra um livro que li há muito tempo, As Ruínas, se parece bastante com Tubarão em certos aspectos.
O CORUJAL: Nunca li As Ruínas. Quanto às cidades turísticas, acho que isso tá bem presente na Ellen, já que essa questão gira em torno dela. Ela está bem infeliz, porque querendo ou não, você depende muito das outras pessoas para viver.
LEIA-ME JÁ!: Essa questão da dependência para sobreviver, vai estar mais explícita na terceira parte, já que as pessoas estarão mais amedrontadas com o tubarão, e sem veranistas não há lucro para a cidade. Eu nunca parei para pensar nessa questão das cidades turísticas, mas percebi numa viagem que fiz. Cheguei a comentar com a minha irmã “Essa cidade é linda para visitar, mas morar aqui deve ser horrível!”. Os moradores precisam trabalhar enquanto os turistas se divertem e desfrutam do que a cidade lhes oferece. E como se as pessoas fossem privadas do que a cidade tem para oferecer. Um ajudante do Brody fala algo parecido com “Nossa, eu moro no litoral, mas nunca fui à praia.”


Fique ligado nas postagens futuras do Leitura em Dupla!

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As Terras Devastadas - Stephen King

“Viajante, adiante fica o Mundo Médio.”


Título: As Terras Devastadas

Autor: Stephen King

Título Original: The Waste Lands

Tradução: Alda Porto

Série: A Torre Negra

Editora: Objetiva (Suma de Letras)

                                                         2005             



A leitura da série A Torre Negra vem se revelando, a cada volume, uma inédita surpresa. Em As Terras Devastadas, King deixa de lado as teorias e adaptações dos personagens em relação à transição de universos e parte logo para a narrativa agitada da série. Portanto, nesse volume, o leitor presencia um ritmo mais rápido, com menos teoria e mais ação. É claro que o autor não nos deixa completamente sem informações – embora fechamos o livro com mais uma dúzia de questões – mas o foco não é esse.
Neste volume não só tempo e espaço estão em conflito, mas também a lucidez de Roland. O pistoleiro encontra-se em conflito consigo mesmo, sem chegar em uma conclusão se o menino Jake realmente existiu (já que o garoto morreu em ambos os universos). Eddie e Susannah também são pistoleiros agora e permanecem ao lado de Roland mesmo em seus piores momentos.
“A verdade é que ela não trocaria o mundo de Roland por nada”
Também ficamos por dentro da história completa de Jake, e que, mesmo em Nova York, o garoto retém muitas respostas importantes para o mundo de Roland.
“– Nós somos um ka-tet – começou o pistoleiro –, o que significa um grupo de pessoas unidas pelo destino”
Em suma, As Terras Devastadas narrará as impressões das personagens em viajem pelo Mundo Médio, mas devo ressaltar que Stephen King é o rei dos subenredos, e que mesmo que mais próximos da torre, continuamos nas delongas do autor. Não que isso seja um ponto negativo, pelo contrário, acho que sem os detalhes excessivos do autor – que já é uma característica dele –, o enredo ficaria cru. É fato que os ansioso de plantão ficarão bravos com o autor ao ver que, em muitos momentos, a torre em si sai de foco, mas isso pode ser tolerado em vista da grandiosidade da obra.
Mesmo não tendo lido O Senhor dos Anéis – livros que inspiraram a série –, não pude deixar de notar algumas semelhanças neste livro. A premissa de um grupo com um objetivo em comum – um ka-tet – sair em uma aventura fantástica por terras desconhecidas, lembra muito o universo de Tolkien.
Revelações à parte, o fim não me agradou muito, mas esses finais em aberto são característicos da Torre Negra, e de certa forma, funciona como combustível para a leitura da obra, já que mais que chegar à torre, os leitores querem respostas.
“O pistoleiro é a verdade...”